sexta-feira, 25 de julho de 2008

Anúncio de jornal

A gente está sempre acostumado a fazer o filé de um jornal: reportagens, grande fotografias, na pretensão de preparar o cardápio de assuntos que os leitores terão à sua disposição ao longo de todo o dia.
Os classificados (a menos que se esteja em busca de emprego/carro/apartamento ou algo assim), vão direto para a pilha que serve para enrolar banana ou secar os tapetes do carro. Os classificados são o chuchu do jornalismo.
Mas tem um anúncio de jornal que eu gostaria de ter escrito (da série "As coisas que eu queria ter escrito" ou "Que inveja porque esta criatura colocou em palavras tão direitinho o que todo mundo pensa, mas que quando diz fica brega"). É, um anúncio. Que sugere uma troca, que alguém quer desfazer-se de algo para ter outra coisas. Assim, simples. Eu adoro esta louca. Tudo o que vejo dela me dá vontade de guardar, como se me abastecesse daqueles devaneios.
Divido com vocês o meu "classificados" favorito:


"PRECISA-SE"
Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la.
Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere.
Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama.
Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos.
Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar.
P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
Clarice Lispector

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